A Reunião

Um conto de Gustavo Guilherme

A cúpula de monges e noviços reunia-se uma vez a cada década – geralmente para tratar assuntos concernentes ao cotidiano intocável do monastério.

No entanto, naquela tarde fatídica de um outono tenebroso, as nuvens anunciavam que uma tempestade estava por vir. Enquanto aos relâmpagos seria dada a hedionda missão de atormentar os sonhos dos homens, os trovões se encarregariam de cegar-lhes a consciência.

Por causa de uma suspeita de violação dos votos outrora feitos, os monges, assustados, reuniram-se em assembléia extraordinária – alguém dentre eles cometera pecado mortal, imperdoável e grotesco: o seu deus iracundo despertara.

Apressados, monges e noviços sentaram-se aflitos ao redor da mesa sacerdotal, no átrio do templo.

– Apressemo-nos, irmãos! – disse um deles – Provavelmente não temos muito tempo. É necessário que se confesse o “crime”, e que tal agressor da Lei Suprema seja imediatamente punido, para que a ira não nos sobrevenha.

Burburinhos inoportunos fizeram-se ouvir durante alguns instantes, até que um trovão gritou imponente. A tempestade se aproximava.

– Irmãos, não estamos aqui para acusar uns aos outros. Afinal, isso nos rebaixaria da posição santa na qual nos encontramos. E também não estamos aqui para digladiar nossas palavras umas contra as outras, mas para solucionarmos um problema mortal. Quem suscitou a ira dos céus?

O silêncio se fez presente e deixou-se ouvir por alguns instantes.

Nuvens densas escureciam o mundo.

– Fui eu, mestre. – disse o mais jovem, erguendo as mãos trêmulas e baixando a cabeça, arrependido.

O Sacerdote principal, imponente, ergueu-se rapidamente:

– E qual foi o seu delito, meu jovem?

O rapaz encolheu-se antes de responder, aflito:

– Mestre, enquanto debatia princípios de nossa fé com um de meus irmãos, em uma conversa fervorosa sobre alguma coisa que sequer consigo me recordar, embebi meu coração em fúria e, em meus pensamentos impuros, planejei matá-lo.


O velho sacerdote vacilou por alguns instantes e começou a contar o número de presentes na reunião, para ver se faltava alguém.

– Mas você o matou? – perguntou o velho.

– Não, meu mestre, não. Apesar de todo meu descontentamento e fúria, não fui capaz de colocar meu plano em execução.

O mestre, irritado, não demorou dois segundos para proferir a sentença – o noviço deveria morrer.

Ouvindo, porém, a condenação dada, o homem a quem o jovem planejou matar ergueu-se furioso:

– Se este homem cometeu delito, revogada seja a sua punição, pois aqui estou eu, vivo e salvo da morte, pela piedade deste nobre rapaz.

– A Lei Suprema é clara, noviço! Mesmo que o “crime” não tenha sido consumado, o rapaz o planejou em seu íntimo, maculou a própria consciência. Ele deve ser executado aqui e agora.

As janelas do templo refletiam os trovões.

– Se o querem matar, matem também a mim. Pois também quis matá-lo. – gritou alguém do outro lado da mesa.

Imediatamente um outro noviço manifestou-se, enfurecido:

– Eu também sou digno de morte, pois em meu coração imaginei orgias cruéis e me rendi aos mais impensáveis sentimentos.

Alguns monges, então, começaram a confessar suas injustiças – todas elas imateriais, nunca feitas com as próprias mãos, mas unicamente pensadas, planejadas ou sentidas de alguma forma.

– Silêncio, irmãos! Silêncio! – gritou o mestre depois de alguns minutos.
Os ânimos aquietaram-se lentamente, e o silêncio que se seguiu seria capaz de engolir o mundo, se não fosse interrompido pela palavra final do velho sacerdote:

– A solução é única e irrevogável. Todos nós erramos, inclusive eu. Por inúmeras vezes, lhes contei mentiras absurdas e imaginei pecados impronunciáveis em minha alma. Mereço a morte como qualquer um de vocês.

O monge, com um rastro de lágrima que lhe sujava o rosto empoeirado, caminhou até o lugar dos acessórios para o sacrifício e tirou sua própria vida, encravando uma adaga sagrada em seu peito, abandonando este mundo com os olhos arregalados e cheios de dor.

Seus seguidores o imitaram. Não mereciam viver. E abraçaram a morte como se ela fosse uma velha conhecida.

Em poucos instantes, só havia silêncio, sangue e um vaso vazio sobre a mesa, dentro do templo.

A tempestade então caiu, e regou as plantações. As árvores deram seu fruto e os campos floresceram imaculados. O terreno sombrio e seco deu lugar a um paraíso natural, belíssimo e fértil.

E esta misericordiosa ira dos deuses, foi a glória que estes monges se negaram conhecer.


posted by GG

4 comentários:

Ira 18 de agosto de 2010 às 09:46  

Adoro seus contos GG! Parabens por cada um deles, que engrandece nossa alma saiando nossa sede de entendimento!

Uii profundo agora rsrsrs

@Iracroft

Anônimo 18 de agosto de 2010 às 10:03  

@joow1986 => As vezes nossos pensamentos e atitudes preciptadas nos impedem de ver a Glória de Deus!!!

Danilo [Altamira-PA] 19 de agosto de 2010 às 11:24  

Brother... mais um texto inspirado heim!

Quantas vezes nos negamos a ver e desfruttar das marivilhas de Deus por pura ignorância e tradicionalismo exgerado. O fato de estarmos em Cristo não significa que não pecamos, porém reconhecemos o pecado e não vivemos nele, somos verdadeiramente livres por intermédio de Jesus Cristo, não livre para fazer o que quiser mas livre do pecado!

Grande texto brother, tomei a liberdade de criar uma coluna com seus textos no Cabeça Jovem, gosto d+ desses contos e até uso em minhas palestras para adolescentes e jovens!

Valew!

www.cabecajovem.com

morena moraes 20 de agosto de 2010 às 00:16  

o nosso tempo não é o tempo de Deus. a gente nunca aprende isso. nossa pressa sempre nos prega uma peça.

um ótimo conto, e a edificação através da reflexão é o melhor caminho para conhecermos à nós mesmos, antes de tudo.

um beijo e um cheiro,
@morenamoraes

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